Por Arilton Freres *
Há muito tempo, os debates eleitorais deixaram de ser o momento decisivo que outrora foram em campanhas políticas. As noites acaloradas de confronto de ideias e embates retóricos parecem ter perdido seu brilho, cedendo espaço a uma fórmula engessada e previsível. Consequentemente, o público, antes cativado, agora está ausente, e a audiência continua a diminuir. Candidatos inexpressivos dividem o mesmo tempo de fala com figuras de maior relevância, em um ambiente onde ataques são controlados e o verdadeiro debate de ideias é rarefeito.
Um exemplo desse fenômeno ficou ainda mais evidente na segunda-feira, 19 de agosto, quando três candidatos à Prefeitura de São Paulo – Guilherme Boulos (PSOL), José Luiz Datena (PSDB) e Ricardo Nunes (MDB) – optaram por não participar do debate promovido pela revista Veja e pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Oficialmente, as campanhas alegaram conflitos de agenda, mas as razões reais parecem estar enraizadas em um problema mais profundo: o formato dos debates e a incapacidade dos organizadores em controlar o comportamento de certos candidatos, especialmente Pablo Marçal (PRTB). Este, segundo interlocutores, transformou os últimos encontros em um espetáculo de agressões verbais, com palavrões, ofensas e embates pessoais que mais pareciam cenas montadas para viralizar nas redes sociais. Em um incidente memorável, Marçal chegou a exibir uma carteira de trabalho contra o rosto de Guilherme Boulos, em um ato que pouco contribuiu para a discussão política e muito para a geração de memes.
Como resultado, esse tipo de comportamento desvia o foco do que deveria ser o objetivo central dos debates: a apresentação e o confronto de propostas para a melhoria da vida do cidadão. Quando o cenário se transforma em um show de insultos e performances para redes sociais, o maior prejudicado é o eleitor. O que era para ser uma oportunidade de conhecer melhor as visões e ideias dos candidatos se converte, portanto, em um campo fértil para o populismo e a superficialidade. Ao invés de sair mais informado, o público é bombardeado com clipes fora de contexto, prontos para serem replicados na internet, sem nenhuma profundidade ou substância.
Comparando com os debates históricos, a diferença é gritante. Quem não se lembra dos debates presidenciais de 1989? Foi a primeira eleição livre após a ditadura militar, e o entusiasmo era palpável. Com 22 candidatos na disputa, o eleitorado estava ávido por conhecer as propostas daqueles que poderiam liderar o Brasil em uma nova era democrática. O debate transmitido pela TV Bandeirantes, com mediação da jornalista Marília Gabriela, tornou-se um marco. Embora não livre de embates acalorados, o formato permitia maior flexibilidade e autenticidade. Figuras como Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Leonel Brizola (PDT), Paulo Maluf (PDS) e Mário Covas (PSDB) se enfrentaram em um palco onde o confronto de ideias era o centro das atenções.
Foi também naquele ano que expressões políticas icônicas surgiram. Paulo Maluf, em um dos debates, ao ser desafiado por Brizola, disparou: “Não lhe dou aparte”. Maluf, defendendo sua posição, insistia que “desequilibrados” não poderiam ser presidentes. Brizola, não se deixando abater, replicou com o agora famoso “filhote da ditadura”, em uma época em que políticos evitavam a qualquer custo serem associados ao regime militar, que havia deixado o Brasil em uma crise social e econômica.
Esses momentos ficaram gravados na memória popular e ajudaram a moldar a visão do eleitor sobre os candidatos. Embora os debates de 1989 também tivessem seus problemas – como a ausência de figuras importantes como Fernando Collor e Ulysses Guimarães em determinados encontros –, o ambiente era propício para a discussão de ideias. Não era um espetáculo sem sentido, mas sim um embate político de grande relevância para o futuro do país.
Infelizmente, o cenário atual parece indicar que os debates estão se afastando cada vez mais dessa função vital. Em vez de discutir ideias e projetos, muitos candidatos – e suas equipes de marketing – enxergam nos debates uma oportunidade para criar conteúdo viral para as redes sociais. Isso reflete uma transformação mais ampla da política brasileira e mundial: a superficialidade e o sensacionalismo acabam suplantando o debate sério e construtivo.
Essa mudança de postura faz com que os debates percam sua importância para os próprios candidatos. Se o principal objetivo agora é criar momentos impactantes para a internet, e não persuadir o eleitor em um espaço controlado, faz sentido que figuras como Boulos, Datena e Nunes optem por não participar. Eles podem alcançar muito mais eleitores com uma postagem bem elaborada no Instagram ou com um vídeo viral no TikTok do que em um debate estruturado e previsível, onde suas falas serão cuidadosamente cronometradas e limitadas.
Contudo, essa mudança não deve ser vista como inevitável. É possível reformular os debates para que voltem a ser relevantes. Uma maior flexibilidade nas regras, permitindo respostas mais espontâneas e interações diretas entre os candidatos, poderia ajudar a resgatar o interesse do público. Os organizadores também precisam ser mais firmes em controlar o comportamento de candidatos que procuram transformar o espaço em um circo de ataques pessoais. Se os debates voltarem a ser arenas de confronto de ideias, em vez de palcos para performances ensaiadas, talvez possamos resgatar parte da relevância perdida.
Enquanto isso, o eleitor segue sendo o grande prejudicado. A ausência de debates significativos limita sua capacidade de tomar decisões informadas, forçando-o a confiar em fragmentos de informações editadas para redes sociais. E, nesse ambiente, quem ganha é quem domina as ferramentas do marketing digital, não quem tem as melhores ideias para governar.
* Arilton Freres, sociólogo e diretor do Instituto Opinião.